Pronunciamento completo de Oleg Kravtsov, bisneto de Vigotski

18/12/2020 10:14

Publicamos abaixo o pronunciamento completo do bisneto de Lev Semionovitch Vigotski, Oleg Kravtsov, reproduzido durante a live de lançamento do Congresso. O pronunciamento está disponível para download nas versões em português e russo.

 

Boa noite!

Meu nome é Oleg Kravtsov. Sou bisneto de Lev Semionovitch Vigotski. Em nome da minha família gostaria de saudar os participantes do Congresso em homenagem a dois cientistas maravilhosos – Lev Vigotski e Paulo Freire – que acontecerá em agosto de 2021.

Na ciência russa contemporânea, o legado de clássicos desperta um enorme interesse por parte de estudiosos. Apesar de hoje termos acumulado uma grande bagagem de conhecimentos, obtidos por meio de múltiplas investigações empíricas, ainda é possível perceber a crise de abordagens e concepções científicas únicas.

A psicologia como ciência se dispersou em uma multiplicidade de psicologias diferentes e cada uma tem suas tradições investigativas, seus princípios explicativos e sua problematização. A crise da psicologia, sobre a qual escreveu Lev Semionovitch Vigotski em sua obra O sentido da crise na psicologia, não foi superada, tornando-se mais profunda e mais perceptível.

É evidente que o próprio método da psicologia como ciência necessita de uma séria revisão do seu sentido. O emprego pela psicologia de forma acrítica do método das ciências naturais não trouxe resultados positivos e nos distanciou ainda mais do conhecimento psicológico.

Em nosso país é muito popular a utilização por psicólogos de métodos matemáticos complexos para tratamento de dados, de análises estatísticas e de emprego de tecnologias para o trabalho com Big data. Eles são tão populares que, às vezes, se tem a impressão de que substituem o próprio objetivo do trabalho científico.

Claro que são métodos necessários e importantes em seu tempo e espaço, mas essa correria atrás de uma aparência científica na psicologia não é desejável. As tentativas de digitalizar a psique humana e apresentar a vida psicológica do homem como uma máquina de algoritmos estão fadadas ao fracasso.

Surgem enormes dificuldades quando se quer estabelecer a inter-relação entre as psicologias teóricas e práticas. Frequentemente, obtém-se duas psicologias diferentes em sua essência. Há uma psicologia de cientistas acadêmicos e de investigações puramente científicas e, ao mesmo tempo, há uma psicologia aplicada, que nasce localmente, por meio da experiência, na vida prática, por meio de tentativas e erros.

Isso se apresenta de forma dramática, a meu ver, na educação contemporânea. Apesar de termos na psicologia da educação teorias e abordagens interessantes, na prática com a população como um todo, elas sequer são encontradas.

Na Rússia, durante décadas, ocorreram infindáveis reformas da educação, em todos os níveis. As tradições seculares acumuladas foram destruídas e é impossível retornar a elas.

Todas as mudanças que ocorreram em função dessas reformas são apenas aparentes e suas consequências foram destrutivas. Como destacam os especialistas: a qualidade da educação cai, catastroficamente, mas os investimentos só crescem.

Ao mesmo tempo, é preciso destacar que nas escolas e Instituições de Ensino Superior de Moscou, as condições de infraestrutura melhoraram significativamente. Temos um mobiliário excelente, as salas de aula são equipadas com internet rápida, temos um sistema eletrônico de planejamento e supervisão das atividades.

Muitos recursos educacionais oferecem videoaulas, materiais concretos e testes on-line. Entretanto, verificou-se que não se compreende como deve ser organizado o processo de ensino em novas condições. Quais são os objetivos e as tarefas da educação de hoje? Qual deve ser o resultado final do trabalho do pedagogo? Torna-se atual, como nunca, a questão: como e para que devem ser formados os pedagogos e os professores de hoje?

Do ponto de vista teórico e prático, os problemas destacados por mim são globais. Não estão restritos à psicologia, guardam relação com as práticas sociais. É evidente que para lidar com eles também não haverá caminhos simples e fáceis.

Para iniciar a resolução dessas questões, é importante que retornemos às bases científicas e ao fundamento que orientarão nossas buscas investigativas e a construção de novas práticas sociais.

Nesse sentido, devemos retomar os textos dos clássicos. Isso não será um passo atrás; ao contrário, será um movimento para frente em um novo patamar. Sem essa reflexão científica é impossível o desenvolvimento autêntico da ciência; sem um fundamento sólido não pode existir nenhum progresso.

A meu ver, as obras de Lev Semionovitch Vigotski e Paulo Freire, a esse respeito, são atuais como nunca. É no trabalho desses cientistas que podemos encontrar a base, sem a qual não conseguiremos desenvolver a psicologia e apresentar soluções adequadas para questões sociais agudas, incluindo as do campo da educação.

Conclamo todos os interessados no futuro das ciências humanas e da criação de novas práticas educacionais e sociais a participar do Congresso Internacional, em agosto de 2021, em homenagem ao 125º aniversário de Lev Semionovitch Vigotski e 100º aniversário de Paulo Freire.

Até lá!

Moscou, 10 de dezembro de 2020

Download do pronunciamento em português e russo (original).

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